A questão da segurança pública é recorrente nos meios de comunicação e a cada dia fica mais evidente que está sem controle. Fato é que perdemos, a sociedade não tem mais a quem recorrer e daqui para a frente, o que está ruim, vai piorar. Sem entrar no mérito, quero aproveitar esse artigo primeiro para agradecer os bandidos que me sequestraram e que conforme combinado, se eu cumprisse minha parte, durante as 3 horas que estiveram com a minha vida sob a mira das duas pistolas calibre 380, eles poupariam a minha vida. Eu cumpri a minha, e eles a deles, com maestria. Já o Estado, pra variar, não cumpriu a dele e eu explico por que, após resumir o drama que vivi na tarde de sábado, em um sequestro que teve um desfecho positivo para a minha sorte e das pessoas que me querem bem.
Na tarde de sábado 24, ao parar meu carro em uma das ruas do bairro Dona Clara, para pegar minha filha na casa de uma amiga, dois indivíduos se materializaram na minha frente, do nada, e sem qualquer chance de fuga, fui tomado de assalto em um sequestro que costumam chamar “relâmpago”, e que de relâmpago tem apenas o nome. Acho que é apenas para amenizar a dor de quem recebe a notícia e tem vínculos afetivos com quem é vítima. Serve para decifrar tão somente as consequências para os que conseguem sair vivos como eu consegui. Explico: É como se a carga de um relâmpago entrasse pelo seu corpo e afetasse todos os seus órgãos, especialmente os do sentido. Depois de um sequestro, ou de um relâmpago, nenhuma pessoa será mais a mesma, esteja certo disso. E isso me fez mudar algumas concepções de vida e opiniões: Eu já duvidava das forças de segurança e da política deste país, agora eu tenho certeza que elas e nada, é a mesma coisa.
Perdemos, a bandidagem ganhou. Não falo apenas da bandidagem marginal, falo da bandidagem que tomou conta das instituições que deveriam nos proteger. Sob a mira de duas armas calibre 380, automáticas, dominado pelo pavor e pelo medo, com a certeza da morte, procurei manter a calma e estabeleci com os meus sequestradores alguns pactos, que ficarão como lição e que sugiro atenção, pois a próxima vítima, pode ser você ou alguém da sua família: Não mentir para eles jamais; passar todas as senhas do banco e torcer para a sua memória funcionar; orienta-los dos limites de saque, fazendo um esforço para não confundir, alho com bugalho e nem os números que são a senha para vida, ou para a morte; informá-los sobre a diferença de crédito e débito; torcer para que nossa despreparada e incompetente polícia não os encontre no caminho; rezar para que um deles ou todos eles, não tomem antipatia da sua voz, do seu cheiro ou da sua cara. Seja humilde, não chore, não reze na frente deles e torça para o seu corpo dar conta da pressão, pois ela é quase insuportável. Doe a alma e o corpo e sua boca fica seca com gosto de fel.
Para a minha sorte, eu não esqueci as senhas e na primeira empreitada no caixa do Banco Santander, eles conseguiram sacar R$1.500,00 (dinheiro que salvou a minha vida). Daí para frente, enquanto os comparsas usavam o cartão de crédito, demos um passeio pela cidade, como se nada estivesse acontecendo, sob a mira de duas pistolas apontadas para a minha cabeça. 3 horas foram como 3 dias. A relatividade do tempo de Albert Einsten foi testada com riqueza de detalhes. Andando por ruas que nunca imaginei conhecer, vazias e propícias para uma desova de cadáver, ouvindo o bandido que estava atrás conversar pelo celular com os comparsas que usavam o cartão de crédito, exigindo que andassem rápidos, pois o “serviço aqui está concluído”, serão só dois “totós”, consegui, em poucos segundos, após ouvir isso, concluir que o México, perto do Brasil, é o paraíso.
Fiquei pensando como seria a minha morte, e se eu sentiria dor. Torci para que as balas que atravessariam meus miolos, pudessem não afetar áreas vitais. Orei para que meu amigo Neurocirurgião (Mauro Reis Junior) estivesse de plantão no Odilon Behres e conseguisse extraí-las sem deixar sequelas, já que ele faz isso todos os dias, com maestria. Roguei para que meu corpo fosse encontrado ainda com vida e que a mão de Deus, que não evitou o dedo do bandido no gatilho para os dois “totós”, evitasse o meu encontro com ele, no além. Enfim, torci para que o sofrimento da minha mãe, não a levasse para me encontrar lá no céu, se é que existe um céu encima de um país falido e vagabundo como o que eu nasci e que até aqui amava e acreditava. Hoje eu não acredito mais. Milhões que migraram ou que estão querendo fazê-lo, tomaram a decisão certa. Se você tem chances, não pense duas vezes, isso aqui está acabado, dominado e falido. Caia fora enquanto é tempo e salve a sua e a vida da sua familia.
Tive a sorte de conversar com os meus algozes e encontrei neles um fio de humanidade. Como filósofo de formação, sei que nossa matéria guarda no DNA alguns vestígios de bondade e nem o pior dos bandidos deixa de ter uma mãe. E acredite, para a minha sorte o telefone tocou e era a minha mãe. O bandido que estava com o meu celular e que parecia ser o mais equilibrado me entregou e disse: “É a sua mãe”, converse com ela… Pasmem, ele me permitiu que eu conversasse com a minha mãe, no meio daquela tensão toda. Evidentemente, que recolhendo os fiapos de calma que ainda restavam, disse a ela que demoraria um pouco, mas que chegaria para o almoço e acho que uma gota de sentimento dele, foi decisiva para que não me desovassem em uma das dezenas de ruas vazias que passamos e que jamais sairão do meu pensamento.
Para encurtar a história e reafirmar meus agradecimentos sinceros aos bandidos que honraram o que combinaram, ao contrário de outros bandidos que ocupam posições de destaque nas estruturas formais do Estado, quero dizer a eles que o nosso combinado, de não ter registro de ocorrência, em vão, não pude honrar, pois infelizmente, uma pessoa que passava na hora viu e alertou a polícia, que não fez absolutamente nada. Não fez e não fará, mas mesmo assim o meu carro, que eles gentilmente liberaram, após serem informados de que eu não tinha seguro, foi preso pela mesma polícia de forma eficiente e exemplar. Foi e até agora continua preso na burocracia e na ineficiência do aparato policial falido, contrariando a lógica e o bom senso. Acredite, depois de um drama que não desejo nem para os próprios bandidos que foram humanos comigo, tive meu carro apreendido e rebocado. Assistência, não me deram nenhuma, já para prender meu carro, 3 viaturas e um reboque.
Todo este episódio, que durou 3 horas e que jamais será esquecido, será apenas registrado para engrossar as estatísticas. Nenhuma investigação ou qualquer pessoa das forças de segurança, se dignarão a ligar para saber o que de fato aconteceu. A PM foi acionada 10 segundos depois do sequestro e não fez absolutamente nada nas três horas seguintes. Tranquilizo ainda os meus sequestradores, que em nenhum momento olhei para as suas caras, a tempo de registrar suas feições. Até por que, ambos estavam de bonés e meus olhos estavam embaçados durante as horas que passamos juntos. Parabenizo eles pelo profissionalismo e pela organização que demonstraram nesta empreitada. Peço que tenham paciência com suas próximas vítimas, pois nem todos conseguem raciocinar em situações como essas. Finalizo agradecendo a Deus, por ter me dado a serenidade suficiente para não quebrar o pacto firmado desde os primeiros segundos do sequestro e que foi decisivo para o desfecho sem violência ou morte.
Sugiro ainda aos quem chegaram até aqui que redobrem a atenção e jamais fiquem dentro do carro parado, pois eles surgem do nada e são extremamente bem organizados nas suas ações. Jamais tente enfrentá-los ou sacar uma arma, pois nunca agem sozinhos. Nesta ação haviam pelo menos 6 eficientes comparsas dando cobertura para os dois que ficaram comigo durante as 3 horas. Tinham carros motos e pontos de encontro pré-determinados. Torço para que sua experiência tenha apenas prejuízos materiais, e que você saia vivo como eu. Tá assustada(o)? Não é exagero e nem sequela do trauma, é fato: se você ainda não foi sequestrada(o) ou assaltado(a), acredite, é apenas uma questão de tempo…
José Aparecido Ribeiro
Consultor em Assuntos Urbanos
CRA MG – 08.00094/D
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