A prisão espetaculosa do mascate contemporâneo Ricardo Eletro. Será que precisava?

O empresário Ricardo Nunes, por décadas à frente do Ricardo Eletro, foi preso na última quarta-feira (8), sob a alegação de sonegação. O episódio sugere reflexão. De antemão devemos lembrar que este mineiro originário do Centro-Oeste é um player do capitalismo brasileiro. Ele fundou uma das maiores redes de eletrodomésticos do país, com lojas espalhadas por quase todas as capitais e cidades médias do Brasil.

O Ricardo Eletro é manancial de empregos, um dos responsáveis pelo giro da roda da prosperidade e isso para regozijo do sistema. Portanto, ninguém a princípio pode tirar dele o mérito de ser um comerciante arrojado, competente em país que prima pela mediocridade e pela hipocrisia. Ele foi por muito tempo garoto-propaganda do próprio negócio, contrariando o manual do marketing e a concorrência. Ou seja, nunca se escondeu atrás de suas crenças mercantilistas e nem da sua mineiridade.

Espetáculo desnecessário

O Ministério Público de MG e a Polícia Civil, munidos de ordem judicial, protagonizaram espetáculo no intuito de levantar provas contra danos causados ao erário estadual, sob a alegação de comprovada sonegação fiscal no tocante ao ICMS. O empresário até onde se sabe não é ameaça para a sociedade. Pelo contrário, distribuiu renda e assinou milhares de carteiras de trabalho ao longo das últimas décadas.

A prisão revestida de pirotecnia pareceu se fiar em exemplo aos descumpridores de obrigações fiscais. Talvez essa a motivação primeira, embora injustificável até mesmo pela ótica de gastos desnecessários em graves tempos de pandemia. Não se defende irregularidades no campo da tributação, em especial o crime de sonegação, longe disso. No entanto, se cometeu delito tributário, que se defenda por direito ou que pague pelo crime.

Ricardo Nunes movimenta a economia de Minas Gerais e do Brasil, é figura pública e não leva jeito de fujão. Não tenho procuração para defendê-lo, porém não vi no espetáculo razão pedagógica, mas percebi certa vaidade de agentes da Lei que deveriam primar pela discrição. De vendedor de bugigangas a comerciante de sucesso, Ricardo tem seus valores, que não devem ser esquecidos neste momento, mesmo se culpado da acusação, o que a Justiça irá dizer depois dos tramites garantidos em lei, que dispensa exposições desnecessárias.

Espetáculo caro para o erário

Não se pode imputar a pecha de bandido ao principal alvo do estardalhaço espetaculoso, com avião, dezenas de policiais, helicóptero e transmissão ao vivo pela mídia convencional, que, aliás, por anos se fartou na publicidade do garoto propagada que emprestou seu rosto e ousadia para o sucesso do negócio. Isso incluiu sua filha de 21 anos que emprestou seu nome para uma das empresas alvo de investigação. Ainda que tivesse puxado o pai no espírito empreendedor, com a pouca idade não tem domínio do que ocorre em uma empresa que emprega 30 mil pessoas e movimenta R$ bilhões.

Se intimado Ricardo Nunes e os demais envolvidos na denúncia, focos de mandado de prisão, teriam se apresentado ao MP, delegacia ou a qualquer órgão da Justiça, sem necessidade de algemas, constrangimentos e, em especial, de passar a noite no inferno. A isso se deduz sem procuração. 

Chamou atenção, contudo, nos resquícios da operação, o silêncio sepulcral de entidades empresariais diante das arbitrariedades. Empresários de todas as montas, do boteco da esquina à grande multinacional, conhecem a burocracia, a sanha do fisco e as armadilhas do sistema tributário. Que os mineiros não são solidários nem no câncer, o escritor fluminense Nélson Rodrigues propagou em máxima, através de Otto Lara Rezende.

A esquizofrenia do sistema arrecadatório deu ao advogado tributarista mineiro Vinicius Leôncio, pela sua obra, lugar de destaque no Guiness Boock, livro dos recordes com um livro de 54 mil páginas e sete toneladas, cujo conteúdo, pasmem, é a legislação tributária mais retrógrada do planeta. Perder-se neste emaranhado de resoluções, decretos e leis não é difícil, que o diga os profissionais da ciência contábil e os especialistas do direito tributário.

Quem tem coragem de atirar a primeira pedra?

Quem, ressalte-se nesse meio, seria capaz de atirar a primeira pedra? Quem nunca pecou diante de um sistema tributário injusto, doente crônico e perverso, que açoita tanto o capital quanto o trabalho? Hoje foi Ricardo Nunes, amanhã pode ser qualquer um dos que fingem não enxergar o acontecido. Ainda que o mesmo tenha cometido crime de sonegação, não é expondo e nem destruindo sua reputação que se converte delitos em reparações. 

Ricardo Eletro é bem-sucedido. Um invejável mascate de dimensão nacional da era contemporânea e tecnológica. O jovem comerciante na pacata Divinópolis transformou-se em um Midas do empreendedorismo. Pioneiro, inclusive, na compra em larga escala de produtos da linha branca da China. Se for culpado, tem direito e dever de se explicar e ressarcir os cofres públicos.

Julgamento antecipado com direito a exposição nacional

Porém, antes de ser condenado antecipadamente pelo pretenso crime de sonegação, merece respeito por suas realizações. Ele tornou-se prova cabal da necessidade urgente de uma reforma tributária justa e equânime para consumidores e empresários. O capitalismo brasileiro de múltiplas nuances se acochambra em anistia fiscal, perdão de dívida, refis, parcelamentos, subsídios e, sobretudo, onerações alheias.

Ressalta-se que o estado mesmo, este ente abstrato, sócio em tudo e de todos, é péssimo pagador. E quem há de contestar? Para não ir longe, pergunte a seus fornecedores o por que do surgimento do superfaturamento. Ou indague de seus credores quantos anos se esperam pelo recebimento na bacia das almas de um precatório transitado em julgado.

Portanto, o exemplo vem de cima. Os rentistas conhecem as perversidades fiscais. Dominam-nas, lucram inclusive na adversidade, devido à permissividade do sistema. Com sapiência mercadológica e revestidos de legalidade fazem apenas jogar o jogo até uma segunda ordem. Ricardo é sobrevivente do sistema e não um estorvo que mereça tratamento desigual ou humilhante como o que assistimos na semana que passou.

José Aparecido Ribeiro é Jornalista em Belo Horizonte – DRT/MG 17.076/12

jaribeirobh@gmail.com – WhatsApp: 31-99953-7945

By zeaparecido

José Aparecido Ribeiro é Jornalista, Bacharel em Turismo, Licenciado em Filosofia e MBA em Marketing - Pós Graduado em Gestão de Recurso de Defesa

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