O que faz a vontade dos que incomodam ser maior e prevalecer ao desejo dos incomodados? Não tenho nada contra quem se veste de mulher – e vice-versa – e sai pelas ruas pulando que nem pipoca, nem os que exibem corpos nus ou mascarados. Dizem que é para fugir dos problemas, esquecer, por exemplo, que o Brasil atravessa a pior crise econômica e política de sua história com 30 milhões de pessoas sem emprego fixo, corrupção endêmica, políticos e empresários presos por mal feitos inimagináveis.
O MOMENTO NÃO É DE FOLIA
Mas será que o momento pede comemorações e folia? Pergunto: para ser feliz, são necessários cinco dias de feriado, bebedeira, caos urbano? O mundo deve nos ver como seres de outro planeta, capazes de desligar um botãozinho manual dentro da cabeça e nos esquecer das mazelas do cotidiano. É evidente que não nos desligamos dos problemas e nem eles de nós. Ao contrário, eles costumam ficar ainda maiores, sobretudo por que o país volta a funcionar só depois do carnaval, quando ele não deveria nem mesmo parar, se permitindo a apenas 16 dias úteis no mês, em plena crise. Uma aberração inaceitável.
Então o que nos faz agir de forma tão passional contrariando o que aponta a razão e a civilidade? Tenho a impressão que não somos abduzidos só pelo desejo de prazer, histeria e imaturidade coletiva, mas por manipulação que envolve interesses maiores. “Eles” brincam como o nosso povo, e fazem isso no sentido mais profundo da palavra. A fragilidade do inconsciente coletivo do brasileiro é algo que merece atenção dos especialistas e dos que ainda tem esperança no futuro, exercem poder e não foram abduzidos.
A PAIXÃO PELO CARNAVAL E PELO FUTEBOL TEM A MESMA LÓGICA
Todos os anos, ao invés de nos desapegarmos do que não tem valor objetivo, nos apaixonamos mais, e isso vale para o carnaval e para o futebol. Com efeito, parte da mídia trabalha para manter a massa permanentemente no “jardim de infância”, tirando proveito da ilusão provocada por ambos. O ultimo claro, motivado por cifras bilionárias em universo mais sujo do que o da política.
Freud tem explicação para isso e não cabem delongas, na infância, é muito mais fácil manipular, dirigir de acordo com desejos subjacentes. Então vejamos a situação de Belo Horizonte para unir os dois universos mencionados: Até cinco anos atrás era considerada a capital do sossego. Quem não gostava de carnaval encontraria refugio na capital Mineira. Como não teve competência para desenvolver projetos condizentes com a fama da cidade, o poder público, bem como a iniciativa privada, se curvou ao tradicional: Blocos de rua, que significa mais do mesmo. O “sucesso” portanto, só se for com barulho e desordem na cidade.
BH ESTÁ ORGULHOSA DOS NÚMEROS DO CARNAVAL
Hoje a cidade em uníssono estufa o peito orgulhosa e se gaba de ter nas ruas durante o carnaval cinco milhões de foliões, independente de tiros, facadas e estupros. Ano que vem, a continuar nesta toada, a Belotur/PBH, vai chamar o Guiness, livro dos recordes e vai se auto-proclamar o maior carnaval de rua do planeta. Grande feito para quem ganha à vida iludindo incautos. A crítica vai dizer que este terá sido o maior feito do governo municipal, e que por isso o prefeito já tem lugar garantido no Palácio das Mangabeiras.
Sucesso para eles é barulho, gente bêbada defecando nas ruas, brigas, assassinatos, roubos, caos no trânsito e algazarra que incomoda crianças, idosos e enfermos. Louco eu? Alguns de certo dirão que sim, assumir que não gosta de carnaval é coisa de velho rabugento, mal amado; e eu confesso, não consigo ver graça neste desespero de sair pulando pelas ruas sem razão objetiva. Até respeito quem tem essa necessidade, mas não compreendo. E conheço muita gente que também não vê graça nenhuma nisso, ao contrário, tem suas vidas viradas do avesso durante cinco ou mais dias.
Tenho o privilégio de morar em local da cidade por onde não passa nem foliões travestidos, mas sei de muitos que são obrigados a conviver com o caos sem alternativas. A quem estes devem recorrer para ter garantido o sossego que lhe roubaram em “beneficio da cidade”? Ao coletivo desordem, ou ao prefeito que sabe tudo, e sua Câmara Municipal comprada?
O BRASILEIRO PERDEU A NOÇÃO DO SIGNIFICADO DE SUCESSO
A observação a seguir não se destina aos belo-horizontinos iludidos pelo “sucesso” do carnaval, e aos visitantes que são bem vindos, mas ao brasileiro que não emenda. Quanto maior o buraco da economia e a podridão da política, mais o povo encontra energia para se dedicar ao que não lhe agrega valor algum. Fica a vontade “incontrolável” dos que incomodam sobre o desejo daqueles que são incomodados, como se tudo mais fosse secundário, afinal o que vale mesmo é o “pão e o circo”.
Na verdade, durante o carnaval, quem não gosta que vá “pro inferno”, como cantou o rei Roberto Carlos. Na quinta-feira voltamos a conversar, pois sei que aos que se destinam esse arrazoado, neste momento estão abduzidos por algum bloco, mais incomodando do que sendo incomodados, com autorização oficial e proteção policial, ineficaz diga-se de passagem, não por incompetência, mas por razões inerentes a desordem da “festa” oficial que não agrega nada ao coletivo, ao contrário, só tráz prejuízos.
José Aparecido Ribeiro
Jornalista – jaribeirobh@gmail.com – Whatsapp: 31-99953-7945 – com ou sem palavrões