Sociólogo Fernando Shuller sai em defesa das vítimas de “A.M.” do 8 de janeiro – Curiosamente nas páginas de Veja

De todos os casos, o que mais me intriga é o de Débora dos Santos. A cabeleireira de Paulínia que escreveu aquela frase, “perdeu, mané” – Fernando Shuller

Foto: Reprodução Agência Brasil – Débora dos Santos

Para a maioria dos brasileiros que não conhecem os horrores dos presídios do país, o 8 de janeiro de 2023 é passado, páginas de um livro de história para as futuras gerações que sabe-se Deus, serão influenciadas pelas narrativas do grupo que estiver no poder, terão acesso muito provavelmente sem entender como foi possível tamanha atrocidade.

Mas para quem vive o drama de uma das maiores injustiças da “Justiça Brasileira”, o pesadelo do cárcere está só começando. Refiro-me, evidentemente, aos que estão presos injustamente pelo motivo de estarem no lugar e na hora errada, com a melhor das intenções, na Capital Federal no dia 8 de janeiro de 2023.

Eles foram vítimas de um plano sórdido arquitetado por quem deveria protegê-los, que juraram honrar a Constituição, mas que cospem nela e pisoteiam sem arrependimentos, por interesses pessoais e por vaidade. Todos investidos de poderes, nenhum pelo voto, incluindo o que foi desencarcerado para o serviço sujo.

Em última instancia, 4 são os verdadeiros carrascos responsáveis por este festival de barbaridades que a história haverá de passar a limpo em tempo menor do que se imagina: Luiz Inácio Lula da Silva, Flávio Dino, Alexandre de Moraes e General G. Dias, o azarão. A verdade tarda mas não falha, assim como a implacável Justiça Divina, se não nessa, em gerações produzidas por estes monstros que ocupam o poder na Capital Federa, depois de tomá-lo à fórceps.

Já não leio a Revista Veja há muitos anos, menos pela revista em si, que já foi motivo de orgulho do jornalismo, mas pela arrogância e venalidade de quem dirige ela hoje, prontos sempre para publicar a matéria que lhe rende mais recursos, ainda que para isso o princípio basilar do jornalismo, o do contraditório, seja mandado às favas e os arranjos textuais estejam a serviço de quem contratou, especialmente se for o Palácio do Planalto. Hoje, abri uma exceção, ao ser atraído pelo artigo do Doutor em Filosofia e Sociólogo Fernando Shuller.

Dinheiro sujo, diga-se de passagem, desviado através de anúncios portentosos de estatais ou do próprio governo, coisa que deveria ser proibida, já que a aplicação do recurso dos impostos segue o princípio da escassez e das prioridades. Propaganda só é prioridade onde tiranos precisam vender imagens falsas de realizações para enganar incautos. Onde há governantes responsáveis, verdadeiramente democratas, as prioridades são outras, o bem estar dos governados. Se sobrar, aí sim a propaganda pode e deve ser feita.

Fato é que a Veja há muito, não faz mais jornalismo como fez por muitos anos contribuindo com a democracia e escancarando as mazelas do poder, sobretudo em Brasília, onde a moral dos homens passa longe da moral da política. Como eu, milhões de brasileiros sabem de que lado e para quem a Veja trabalha nos últimos anos, que não é pela verdade e nem pelo bom jornalismo. Repito, a Veja já foi motivo de orgulho do jornalismo, hoje é um escárnio, assim como a maioria dos veículos que compõem o famigerado e vergonhoso “consórcio de imprensa”.

Por décadas, a revista enfrentou os “poderosos” e não tergiversou, foi atrás da verdade e a estampou em suas páginas. Lembram do “Mensalão”? e do “Petrolão”? Lembra da “máfia dos Correios”, e da “Lava-jato”? A Veja desempenhou papel preponderante para garantir a democracia e conseguiu, através do bom jornalismo, derrubar governos corruptos. Hoje é exemplo de subserviência a um governo ilegítimo, alçado, e não eleito.

Toda essa ladainha foi para dizer que dos colunistas e repórteres da Veja, a maioria, dos atuais, antiéticos, autômatos, preocupados com a sobrevivência, incluindo os jabazeiros sem compromissos com a deontologia do jornalismo, há exceções e que bom que elas existem num antro de mentiras como os que compõem o time da revista atualmente. Explico:

Um deles é Fernando Schuller, sociólogo e Doutor em Filosofia, de mente brilhante cuja alma é de ser humano virtuoso, justo e temente a Deus. Shuller fez uma defesa para as vítimas do 8 de janeiro na edição do dia 8 de de fevereiro de 2025, que merece letras garrafais e quadro na parede da história do Brasil, inexplicavelmente, nas páginas de Veja, que hoje serve ao regime tirano de Lula e Moraes.

Merece também ser lida em voz alta, para os tiranos que emporcalham a palavra democracia em Brasília, fazendo exatamente o contrário, em especial, um dos maiores que o Brasil já teve e que, daqui, seguirá sem escala para arder no fogo do inferno. Refiro-me a Alexandre de Moraes, um dos indivíduos mais asquerosos que a humanidade já produziu.

Com ele, todo os cumplices da maior injustiça que o Brasil já testemunhou, incluindo os do Congresso Nacional que fizeram vistas grossas e ouvidos moucos para as atrocidades cometidas com inocentes vítimas dos arranjos de bastidores que permitiram o 8 de janeiro e o cadafalso para gente simples e incapaz de fazer mal a uma formiga.

Segue na íntegra a defesa de Fernando Shuller às vítimas inocentes que estão sendo torturadas não nos porões, mas à luz do dia, pela tirania de um membro da Suprema Corte do Brasil, com o aval do jornalismo e da imprensa brasileira, (salvo raras exceções), do executivo, do legislativo e da Ordem dos Advogados do Brasil, submissa e subserviente à tirania Moraes.

DANO COLATERAL

POR: Fernando Shuller – Cientista político e professor do Insper

“O TEMA DA ANISTIA aos condenados do 8 de Janeiro pairou sobre as eleições no Congresso na semana passada. O Brasil anistiou, informalmente, ou nem sequer importunou, milhares de invasores de prédios públicos nos últimos anos. Ainda por outro dia li sobre as depredações na Esplanada em maio de 2017. Fui ver as imagens. A turma mascarada, ateando fogo nos ministérios, o quebra-quebra generalizado. No outro dia, “passado é passado”, disse o então presidente Temer. E ninguém basicamente se lembra daquilo. Desta vez não vai rolar. A lógica da guerra e do “risco democrático” ainda rende, para o governo, e será assim até 2026. O país segue dominado pela raiva, e por aí devemos seguir. Ainda nesta semana lia sobre a condenação do Marcelo Lima. Um sujeito de Minas que ficava fazendo selfies nas redes, enrolado na bandeira do Brasil. No dia do “golpe” ele pegou uma réplica da Constituição e a ergueu “como um prêmio”, como se lê na decisão do Supremo. Curioso, pensei. Em vez de tomar o poder, como se faz em um golpe, foi lá tirar mais uma selfie. Três dias depois devolveu o livro, constrangido. Agora é condenado a dezessete anos, nosso estranho golpista. 

Na história universal dos golpes, acho que esse será o mais esquisito. O marechal Castello Branco daquele domingo talvez seja a “Fátima de Tubarão”, uma senhora idosa e expansiva. Ela aparentemente não sabia bem como tomar o poder, mas aparece gritando sobre “quebrar tudo!”, em imagens que um dia rivalizarão com aquelas dos tanques adentrando o Rio de Janeiro em 1964. Nossa vovó golpista também pegou dezessete anos. Para “dar o exemplo”, como escutei.

De todos os casos, o que mais me intriga é o de Débora dos Santos. A cabeleireira de Paulínia que escreveu aquela frase, “perdeu, mané”, na estátua de pedra na frente do STF. Ela não invadiu, quebrou ou gritou. Apenas sacou seu batom da bolsa e terminou a frase, com letra de professora. O batom saiu, no dia seguinte, com um pouco de sabão, mas ela continua lá, em um presídio de São Paulo, há coisa de dois anos. Semanas atrás, mandou uma carta para um ministro do STF. Diz que “não sabia da importância da estátua”, que depois foi estudar e viu que ela era de um artista mineiro, o Alfredo Ceschiatti. Anda virando costume, por aqui, cidadãos mandando cartas de arrependimento, pedindo piedade a quem manda. Essas coisas eram comuns na França do antigo regime, mas foram desaparecendo, na república. E ja-mais deveriam acontecer, por aqui. O caso da Débora me toca, confesso, por causa de seus dois guris, o Rafa e o Caio. Eles estão numa idade em que a mãe faz toda a diferença. E vão crescer sem isso. Até fizeram um vídeo, pedindo sua liberdade, que é duro de ver. Não deu em nada. Desconfio que crescerão com uma tremenda raiva do Brasil. Não torço para que aconteça. Mas, se acontecer, entenderei.

Daria para ir longe com essas histórias, mas a verdade é que faltariam páginas em qualquer revista. De minha parte, acho que essas pessoas deveriam ser julgadas na forma da lei, pelos crimes que de fato cometeram, na instância adequada da Justiça, com amplo direito ao contraditório. Como qualquer brasileiro. E como as coisas devem funcionar em uma democracia liberal. Esse tema voltou com força à minha cabeça assistindo ao filme O Mauritano, dias atrás.

O filme é de 2021, mas é atualíssimo. Ele conta a história de Mohamedou Slahi, um jovem árabe que permaneceu preso em Guantánamo por catorze anos, na onda do combate ao terrorismo, depois do 11 de Setembro. A história é longa, havia indícios contra ele, incluindo uma ligação feita de um telefone de Bin Laden, e isso poderia sugerir muita coisa. Havia uma guerra, os americanos criaram uma lógica de exceção e de “procedimentos especiais” (leia-se: tortura) para lidar com os suspeitos. E era preciso dar respostas à opinião pública. A partir daí, Slahi era o alvo quase perfeito. Só havia um problema: uma advogada chamada Nancy Hollander. Mulher obstinada, ligada aos direitos civis. Ela decide defender o sujeito, percebe que o que existe contra ele é um conjunto de suposições e descobre como ele foi torturado, até assinar uma confissão fantasiosa. Uma década e meia depois, ela ganha o jogo. O próprio promotor do caso, o coronel Stuart Couch, a um certo momento recua. É chamado de “traidor” por um colega de farda, mas não tergiversa: “Não há provas. E todos fizemos um juramento de defender a Constituição dos Estados Unidos”. 

A pergunta crucial do filme: por que cargas-d’água aquela advogada bacana foi gastar seu tempo com um árabe irrelevante, perdido entre centenas de supostos terroristas naquela base fim-de-mundo de Guantánamo? Resposta: por um conjunto de valores. Porque, se ninguém se preocupar, simplesmente afundamos como uma sociedade de direitos. Pois é da defesa do elo mais frágil, do cidadão mais irrelevante, por vezes o mais odiado, que se mostra a força de uma democracia liberal. Em algumas críticas, li que o filme é um tanto “frio”. Não acho. É exatamente aí que está sua sutil mensagem. A ideia de que não é dos nossos afetos que deve surgir o cuidado com o direito, pois nossos afetos são volúveis. Mas da fidelidade a princípios, cuja guarda no longo prazo é nossa melhor garantia. E nisso o filme pode nos ensinar algumas coisas. Ensinar sobre os riscos da tunnel vision, isto é, da fixação dos julgadores em uma só “narrativa”, deixando de considerar qualquer alternativa (a inocência, por exemplo). Ensinar sobre o absurdo das prisões provisórias sem-fim, usadas para dobrar as pessoas, fazer com que confessem, escrevam ou assinem qualquer coisa. E se arrependam mesmo do erro que não cometeram. Ensinar que todos, mesmo um “terrorista” de Guantánamo, “tem direito a um advogado”, como diz Nancy Hollander em certo momento. E mais: que eventualmente não basta uma estrutura formal de direitos. Mas que é preciso pessoas com um tipo de virtude republicana para fazer valer a regra do jogo. Chama a atenção, no filme, a ideia do “dano colateral”. A causa é boa. Há uma guerra e então é aceitável que alguns acidentes aconteçam. Não faz muito, conversei com uma alta autoridade da República sobre os abusos cometidos no país nos últimos anos. Citei alguns exemplos e ela não discordou. Apenas ponderou que as instituições eram assim. Cumpriam seu papel, mas provocavam lá seus acidentes. Achei aquilo perturbador. Acidentes, nesse caso, são pessoas de carne e osso. A Débora e seus brasileirinhos, o Rafa e o Caio, talvez sejam apenas mais um deles. Há muitos. Nos tornamos, como país, um imenso canteiro de danos colaterais.

O que nos falta são tipos como Hollander e Stuart Couch. Tipos que dizem “não” à lógica sem freios do poder e decidem, com a singeleza devida, respeitar uma Constituição. No fundo, pessoas que se recusem a aceitar a lógica confortável do “dano colateral”. Não acho que seja algo simples, em uma época pautada pela raiva, na qual a política se aproxima da lógica da guerra. E parece invadir todos os aspectos da vida republicana. Mesmo aqueles em que isso jamais deveria acontecer. Como a Justiça.” Os textos dos colunistas não refletem necessariamente as opiniões de VEJA.

 José Aparecido Ribeiro é jornalista e editor

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By zeaparecido

José Aparecido Ribeiro é Jornalista, Bacharel em Turismo, Licenciado em Filosofia e MBA em Marketing - Pós Graduado em Gestão de Recurso de Defesa

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