Vittorio Medioli
Se era complicado entender as vitórias de Mauricio Macri na Argentina, de João Doria em São Paulo, de Alexandre Kalil em Belo Horizonte, o sucesso de Donald Trump nos Estados Unidos explicou tudo ao mundo inteiro.
Exaustão da política, dos modos, dos gestos, das palavras, dos discursos impolutos e ocos. Da oratória que multiplica as dúvidas, do jargão ególatra, ainda da indisfarçada sede de poder sem qualquer plano de governo. Não sabem nada de consertar os estragos, de conter a besta burocrática, os gastos vergonhosos.
Culpam os outros, escracham os adversários. Aqueles que bajulavam como cabos eleitorais, levando ao fundo do poço o respeito e a decência.
Trump e sua tosca dialética deixam claro que boa parte do “mundo que pensa” cansou, desesperou e se dispõe a qualquer solução para se livrar do velho. A rejeição à velha política vale mais que qualquer razão.
Há milhares de anos surgiu o Homo sapiens, de Cro-Magnon, versão mais avançada que o Neandertal, depois extinto. Aqui, na política nacional e mundial, neste momento, temos por que crer numa mutação?
Embora seja cedo para dizer que os primeiros modelos da nova espécie sejam capazes de resolver, fica evidente que a espécie anterior, degenerada no petrolão, não atende mais. Acabou.
Desponta uma sede de realismo, pragmatismo. Revela-se no deboche dos “caras” da velha política e no sarcasmo que, quando benzido de verdade, “viraliza” nas redes.
Eduardo Cunha abriu a picada de Curitiba para o Congresso chegar até lá. Os paradigmas se esfarelam. Transparência se insurge, e a acessibilidade coloca números e letras no lugar aonde nunca chegaram.
As construtoras que lideraram por 60 anos a ladroagem no país, e ergueram o maior caso de corrupção do planeta, delataram os intocáveis. Serão presos como Cunha.
Com a sujeira interrompendo os financiamentos e as propinas, o Congresso parece empenhado em manter seus valores e dar mais um golpe no povo. Colocar austeridade nas campanhas não interessa, precisam ser caras e ter dinheiro ao alcance de quem está no Congresso. É a melhor forma de garantir uma reeleição.
Já que não existe mais um milímetro quadrado para engrossar o nepotismo, as verbas indenizatórias, os salários de assessores, os aluguéis de carros, as contas de celulares, viagens, restaurantes, imóveis, supermercados, planos de saúde, precisam inventar agora ou dilatar os dutos existentes.
A Câmara gasta R$ 6 bilhões por ano (R$ 10 milhões por membro efetivo), e o Senado, R$ 4,4 bilhões. Mais de R$ 50 milhões por senador (!). Entretanto, isso não farta os congressistas insaciáveis. Perderam momentaneamente o butim das estatais, que precisa ser reposto?
Foi instalada na terça-feira na Câmara, a toque de caixa, para coincidir a votação exatamente com as distrações das festas natalinas, a comissão que trata da reforma política. Parte do PSDB e tem o apoio de todos.
Prevê a criação do “Fundo de Financiamento da Democracia” (FFD). Sigla que, traduzida em miúdos, tira 2% da arrecadação líquida do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e a transfere aos cofres dos partidos políticos.
A ideia de “Neandertal” leva R$ 3 bilhões a cada ano para quem votará essa medida brilhante. Numa democracia, um Congresso decente levaria a referendo popular; aqui, não. Aqui somos mais espertos, legislando em causa própria e contra a economia popular.
Acrescentado com cinismo a palavra “democracia”, o Fundo Partidário será beneficiado com 414% de aumento, subindo de R$ 724 milhões para R$ 3 bilhões. Há dois anos era de R$ 180 milhões.
A verba alimenta farras despropositadas, num país que passa fome, além de inundar as campanhas eleitorais de quem votará a medida.
O autor do projeto é o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). A íntegra de sua proposta pode ser lida na internet. Pestana se preocupou em explicar à imprensa que as eleições municipais de 2012 (R$ 5,2 bilhões em gastos) e o pleito de 2014 (R$ 4,8 bilhões) requerem R$ 10 bilhões e ainda adicionou à cifra mais R$ 2 bilhões para “manter as portas dos partidos abertas” (atualmente R$ 724 milhões).
Quer dizer que os R$ 12 bilhões, tirados de quem trabalha, darão a cada quatro anos aos 594 congressistas (513 deputados e 81 senadores) mais um valor de R$ 20,2 milhões em média para cada!!!
Uma proposta dessa envergadura nenhum país mediamente civilizado aceitaria, e com ética abaixo do medíocre aceitaria, justamente com 12 milhões de desempregados, aos quais foram cortados os salários-desemprego.
Mostra-se ao mundo que os neurônios de nossos parlamentares são gastos num exercício de cinismo para asfixiar mais seu povo.
Deveriam os deputados que ganham R$ 470 mil por ano, em quatro anos R$ 1,88 milhão em salários, com verbas de gabinete mais R$ 3,2 milhões, em indenizações de despesas e viagens, R$ 2,8 milhões, agora com o “Fundo de Financiamento da Cleptocracia” irão mais R$ 20,2 milhões. Total de R$ 28 milhões por mandato.
Se alguém for a Brasília para um ato como o da Bastilha, em 14 de julho de 1789, me avise.