BH não tem mar, ainda tem bar, mas eles estão agonizando depois de 110 dias fechados

Foto: Acervo 68 Pizzeria – Lilian de Mesquita e Eduardo Cunha

BH não tem mar, tinha bar, mas eles estão agonizando após três meses fechados. A cidade que era conhecida como a capital nacional dos bares assiste o seu prefeito virar as costas para o principal produto turístico, a gastronomia. Kalil segue ignorando o fato de que milhares de estabelecimentos não suportam mais a crise provocada pelo mais longo lockdown que se tem notícia no mundo.

Desde o dia 18 de março, portanto há 110 dias, a capital está fechada para atividades comercias, exceto aquelas “essenciais”. Mas o que pode não ser considerado essencial depois de três meses de portas fechadas? Estamos falando da sobrevivência de milhares de empregados e empregadores, portanto tudo se torna essencial nestas circunstâncias.

Segundo matéria do Jornal Diário do Comércio publicada no início da semana, 11.299 empresas encerraram suas atividades em Belo Horizonte, e mais de 170 mil postos de trabalho foram perdidos. Tudo isso em virtude de uma pandemia que tirou até agora a vida de 202 pessoas em três meses, numa cidade de 2,7 milhões de habitantes. Óbitos cujas vitimas, em sua maioria, infelizmente eram portadores de comorbidades e boa parte delas com idade avançada.

Embora esteja comprovado que o lockdown total é inútil e que o fechamento da cidade não evita a disseminação do vírus, apenas empurra o pico de contaminação para frente, a prefeitura insiste em manter o comércio lacrado. O governo municipal teve tempo suficiente para se prepara, mas preferiu colocar a culpa do aumento de casos na flexibilização parcial que ocorreu nas duas semanas que passaram. Age com o vírus como se ele fosse desaparecer em um passe de mágica ou por decreto.

Ao contrário do que afirma o prefeito, empresários garantem que é possível abrir Belo Horizonte com segurança se os protocolos forem respeitados e se o clima de terror for substituído pelo bom senso.

Foto: Acervo Abrasel – Fernando Junior – Grupo Meet

Para o empresário Fernando Junior, proprietário do Grupo Meet que administra espaços de eventos, salões de festas e a conhecida Churrascaria Porcão na Av. Raja Gabaglia, e que também é ex-presidente da Abrasel MG – Associação de Bares e Restaurantes, o que a prefeitura está fazendo é uma sucessão de erros. Nando afirma que o achatamento da curva deu ao governo tempo suficiente para se preparar, mas isso não foi feito. “BH fechou cedo demais e as consequências desastrosas estão aí para qualquer um ver, pois o vírus não vai desaparecer”, afirma.

Era para a cidade estar pensando nisso agora, continua o empresário, e não em março. “Bares e restaurantes não representam risco para população, deixa-los fechados é um erro, bastaria que estivessem funcionando com protocolos de distanciamento e higiene, o que já é uma regra para a maioria dos estabelecimentos, e isso evitaria uma tragédia muito maior do que a que está por vir na economia”, relata.

Milhares de garçons, chefes de cozinha, cumins, recepcionistas e caixas perderam o emprego e estão dependendo de ajuda do governo federal para sobrevivência. R$600 mata fome mas não resolve o problema de quem perdeu a renda.

O Grupo Meet não dispensou nenhum dos 96 colaboradores, mas de acordo com o executivo, não sabe até quando suportará as despesas com a folha de salários. O empresário lembra ainda que o risco de um restaurante aberto é muito menor do que de um ônibus lotado com as janelas fechadas, e eles estão ai todos os dias circulando livremente, assim como os shoppings populares. “A hipocrisia tomou conta do tema, no lugar do bom senso e da razão”, adverte.

Nando lembra que cidades vizinhas estão funcionando dentro de protocolos e nem isso está sendo suficiente para recuperar os prejuízos. “há um clima de terror no ar que vai levar tempo para acabar”, afirma. Ele acredita que quando houver flexibilização, até que as coisas voltem a normalidade, poucos sobreviverão, conclui.

Restaurantes tradicionais da cidade e centros de gastronomia encerraram suas atividades.

Foto: Jornal O Tempo – Fachada do Restaurante A Favorita

Entre os mais conhecidos o Restaurante A Favorita fechou as portas depois de 23 anos atendendo a alta gastronomia e aos turistas que faziam do local um ponto de visitação obrigatório. Um dos principais frequentadores do restaurante era o próprio Prefeito Alexandre Kalil, vizinho de onde ele mora. Outros estabelecimentos importantes na zona sul também não suportaram e encerram as atividades: Alma Chef, Mes Amis, Souflê Bistrô, Gonzaga, Oratório e mais de 5 mil outros estabelecimentos do setor gastronômico, segundo dados da Abrasel, entidade que representa o setor. BH já teve mais de 12 mil bares e restaurantes e inclusive foi capa do maior jornal nova iorquino, o The New York Times, como a cidade do mundo com o maior número de bares percapta.

Foto: Portal Uai – Marcílio Diniz – Armazém Medeiros

O Armazém Medeiros, do empresário Marcílio Diniz segue na lista dos que ainda resistem à crise, a espera da abertura. De acordo com o empresário, o fôlego já acabou e “estamos mantendo a equipe aqui na raça, não sei por quanto tempo”, relata. Marcílio lembra que desde o dia 18 de março o Medeiros está fechado. O que está acontecendo é um verdadeiro absurdo, pois ele não tinha redes sociais para trabalhar, o delivery, “conseguimos instalar o serviço há pouco tempo, mas tarde para recuperar o que perdemos”, constata.

O empresário teve que desembolsar R$200 mil para dispensar 34 funcionários de outro restaurante que mantinha dentro do Aeroporto de Confins, o Meet Grill. Aproveitou a oportunidade de um cancelamento temporário do contrato que mantinha com a BH Airport depois que a concessionária compreendeu o drama dos parceiros. Marcílio disse que vai manter o Armazém Medeiros para não perder o ponto, “mas a conta garantida não dura mais do que 30 dias”.

Foto Trip Advisor – Fachada do Armazém Medeiros

Se não houver flexibilização não vejo alternativa se não a de fechar o restaurante em Lourdes”, relata com olhos lacrimejantes. Só de aluguel são R$22 mil, e de folha de pagamento mais R$120 mil todos os meses para manter abertos os estabelecimentos, lembra.

O empresário disse que ofereceu a Prefeitura de BH um protocolo em parceria com a Abrasel, (Associação de Bares e Restaurantes) para garantir a segurança, mas que mesmo assim não teve nenhum sucesso. “O problema hoje não é só de saúde, virou político”. Marcílio afirma que enquanto eles brigam, as empresas sucumbem e a tragédia vai aumentando na mesma proporção.

Ele encerra com uma pergunta para o prefeito: “Kalil por que você é do contra em tudo? Por que gosta tanto de irritar as pessoas, especialmente aquelas que geram emprego e recolhem impostos para prefeitura? O empresário não esquece que o prefeito já se declarou inimigo de quem produz em mais de uma ocasião, e citou o Plano Diretor quando Kalil declarou que não se importa com quem gera empregos, mas com quem ganha salários.

Foto: Acervo 68 Pizzeria

A 68 Pizzeria da empresária Lílian de Mesquita funciona há 14 anos na Rua Felipe dos Santos, endereço nobre da capital. Desde o dia 23 de março a casa não abre para o publico, e atende somente com delivery que é outra empresa do grupo. Porém o faturamento do mês no delivery é igual ao da pizzaria em apenas um dia. A situação é dramática afirma. “A 68 funciona há uma década e meia ininterruptamente, tem espaço para 400 pessoas e poderia muito bem estar aberta com toda segurança”, relata.

Lilian não consegue compreender o porquê de uma casa que tem espaço suficiente para respeitar os protocolos de segurança não poder funcionar enquanto os ônibus de BH estão lotados e agora com horários reduzidos, obrigando o empregador a responsabilizar-se pelo transporte de funcionários após a meia noite: “estamos correndo o risco de fechar para sempre se a prefeitura não autorizar a reabertura total do setor, não há razões para tanto radicalismo”, pondera a empresária.

A casa tem 36 funcionários e aderiu ao programa de ajuda do governo Federal, garantindo 70% do salário de R$1.000 para cada um. Porém ela relata que entre remuneração fixa e comissões, a equipe conseguia uma renda que costumava ser o dobro disso. A empresária conta ainda que não dá mais para empurrar a reabertura, “ou abre imediatamente ou vamos fechar para sempre umas das mais tradicionais pizzarias da cidade”, conclui lembrando que a situação já vinha ruim em virtude da crise econômica e que haviam sinais de que estaria melhorando. E que mais uma vez quem sofre com a situação é justo quem gera emprego, recolhe impostos e movimenta a economia, o empresariado.

Quem não conseguiu manter as portas abertas foi o tradicional Mercado da Boca no Jardim Canadá, bairro de Nova Lima na saída para o Rio.

Já o empresário Wagner Gonçalves, experiente profissional do ramo de gastronomia que começou há 40 anos como garçom de hotéis tradicionais da capital, hoje comanda os restaurantes que atendem o Barroca Tênis Clube, com a Pizzaria e Restaurante Antonielle. Ele tem planos de expansão se sair vivo da crise, pretende abrir delivery no Barreiro e em Venda Nova.

Foto: Acervo Verona – Wagner Gonçalves – Pizzeria Antonielle

Wagner se mostra preocupado com os próximos dias e acredita que seu fôlego aguenta no máximo 30 dias: “Se não voltar à normalidade em um mês não tenho alternativas, vou ter que demitir os 15 funcionários que tenho e fechar as portas definitivamente”, reclama o empresário. Ele acha que se não houver uma reação vigorosa do setor produtivo, a quebradeira vai ser geral e nenhum governo se responsabilizará pelas consequências.

A prefeitura se manifestou através de nota dizendo que o prefeito está preocupado com vidas e que os prejuízos financeiros são menos importantes neste momento. Sobre a decisão de manter o fechamento do comércio até a curva estabilizar-se, a assessoria disse que Kalil está considerando a ciência, embora os números comprovem que o lockdown não esteja sendo eficaz.

José Aparecido Ribeiro é jornalista em Belo Horizonte  – DRT/MG – 17.076/12

e-mail: jaribeirobh@gmail.com – WhatsApp: 31-99953-7945

 

By zeaparecido

José Aparecido Ribeiro é Jornalista, Bacharel em Turismo, Licenciado em Filosofia e MBA em Marketing - Pós Graduado em Gestão de Recurso de Defesa

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