A engenharia está de luto duplamente com a partida de José Antonio da Silva Coutinho e Alysson Paolinelli
Foto: DNIT-MG – Eng. Dirceu Carneiro, Jornalista J. Aparecido, Eng, Fabiano Matos Cunha, Eng. Luiz Otávio Portela, Eng. J. Antonio Coutinho e Eng. Elzo Nassarala
Na semana passada, dois dias antes de sua morte, publiquei matéria contando um pouco da carreira e do legado de Alysson Paolinelli, o pai da agricultura brasileira e emancipador do cerrado, um dos poucos heróis que o Brasil poderia estufar o peito e orgulhar-se de ter. Alysson entrou para a história da agricultura mundial como uma referência, reconhecido pela sua dedicação ao tema, respeitado e não por acaso, indicado ao premio Nobel da Paz. Que Deus o tenha.
Já o engenheiro José Antonio da Silva Coutinho, que veio a falecer na mesma data, não era tão conhecido como Alysson Paolinelli, mas deixou sua marca, em especial na Sociedade Mineira de Engenheiros – SME, onde ocupou a presidência da Comissão Técnica de Transportes. Conhecido pelo seu temperamento amistoso, Coutinho era na verdade um grande diplomata, além de engenheiro visionário. Ele comandou o DNIT, esteve no DEOP, no Ministério Público, comandou o Programa Trens de Minas, esteve como consultor especial na FIEMG, OAB, ACMinas e várias entidades ligadas à engenharia em Minas e em Brasília, inclusive a Carpe, nos governos Tancredo e Hélio Garcia.
Foi ele que brigou para que este quase insignificante jornalista fizesse parte da Comissão Técnica de Transporte da SME importante entidade de engenheiros, mesmo sem ser, de formação, um deles. O primeiro caso em que um jornalista conversa com os engenheiros sem perder a pose. Minha dedicação, disciplina nos estudos e interesse pelos assuntos relacionados à Mobilidade Urbana e Estradas, despertou Coutinho para que eu pudesse fazer parte e contribuir com aquele grupo que durante 10 anos trabalhou e continua trabalhando em defesa de melhores condições de trafegabilidade das rodovias federais que atravessam Minas e o trânsito de Belo Horizonte.
Foram dezenas de reuniões tratando dos tema estrada e transporte ferroviário no DNIT. Na BH Trans, tentando conscientizar os técnicos daquela entidade que a cidade precisa de intervenções de engenharia, mais obras de arte e menos puxadinhos. No DER tentando mostrar a importância da reforma do Anel Rodoviário de BH, que é a única via expressa de fato que a cidade possui. Na Assembleia Legislativa mostrando a viabilidade do transporte sobre trilho. Na Câmara Municipal e Prefeitura de Belo Horizonte alertando para os estragos irreparáveis que a aprovação do Plano Diretor, retirado da manipulada 4a Conferência Municipal de Política Urbana, provocaria na Construção Civil, e nos empregos da capital.
Coutinho, assim como eu e a maioria dos engenheiros que compõem a Comissão Técnica de Transporte da SME, defendem o retorno do transporte sobre trilho, incluindo o monotrilho como modal de transporte de massa em BH com apelos para que a população deixe carro na garagem e utilize o transporte coletivo.
Inconformados com a i-mobilidade urbana de BH e as condições de trafegabilidade especialmente das rodovias BR 040, BR 262 e a famigerada Rodovia da Morte, BR 381 este grupo, liderado por Coutinho conseguiu avanços na quebra de paradigmas sobre a necessidade de rodovias duplicadas que evitem as colisões frontais e mortes na maior, e uma das piores malhas rodoviárias do Brasil, a que corta Minas Gerais.
Seu espírito agregador, sua experiência de vida como engenheiro tarimbado e ser humano de virtudes raras, abriu porta e nos aproximou das instâncias de decisão na cidade, no estado e em Brasília. Coutinho ocupou a diretoria geral do DNIT em tempos que a engenharia era mais importante do que a política partidária. Não foi muito, mas o que conseguimos ao longo de 10 anos de trabalho em conjunto contribuiu para que algumas vidas fossem poupadas nas rodovias federais de Minas e projetos fossem feitos. Em BH, que o trânsito pudesse fluir em alguns poucos corredores. Infelizmente, não conseguimos impedir a aprovação do plano diretor que empurrou investidores e os empregos do setor para o entorno da capital, mas a luta continua.
Coutinho, assim como Alysson Paolinelli, merece busto em praça pública de Belo Horizonte pela sua dedicação à boa engenharia, diferente de muito engenheiros que são tratados como “referencia” no tema cidade e que são contrários às obras que fariam a cidade ter mais fluidez. A turma do deixa disso acomodada e preguiçosa que não quer trabalhar, e que espera aposentadoria. Juntos, elaboramos um plano de atualização da infraestrutura de Belo Horizonte que eliminaria 200 dos mais de 800 gargalos que a cidade possui, transformando o trânsito de uma cidade cuja frota ultrapassa 2,3 milhões de veículos, um pouco melhor, deixando de ser o martírio nosso de cada dia, sempre nos mesmos lugares. BH parou no tempo não por falta de recursos, mas pela mediocridade de quem cuida da mobilidade e da infraestrutura. Em um trânsito que flui a poluição, o estresse, a perda de tempo e os prejuízos provocados na economia, são menores. O Plano já foi apresentado para dois candidatos a prefeito, mas segue engavetado.
Coutinho defendeu como poucos a retomada dos trens de passageiros, era referência no assunto e deixa um farto material de pesquisa para os que darão continuidade ao seu legado na SME. Minha homenagem à família, sua esposa, seis filhas e netos, que lutaram bravamente nos últimos dois anos contra uma falência renal que o levou a morte. Coutinho, como engenheiro honrou o diploma, com ser humano deu exemplos e como cidadão, foi um bravo lutador incansável. Trabalhou em prol do bem comum, anonimamente, sem se importar com dividendos financeiros imediatos, pois era um abnegado e altruísta que merece nosso reconhecimento e eterna gratidão.
Que Deus o tenha em bom lugar e que sua obra sirva de inspiração e norte para as futuras gerações de engenheiros da SME, entidade que ele defendia com vigor e altivez.
Coutinho esteve comigo no Programa Conexão BH do Canal Noticioso.
José Aparecido Ribeiro é jornalista e membro da Comissão Técnica de Transporte da SME
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