Mineração sim, no Bação, por favor, NÃO!

Foto: Igreja de São Gonçalo do Bação construida em 1924 para substituir capela de 1740

Das lembranças que não se apagam as de infância que mais agradam também carregam sensação de conforto, segurança e um pouco de nostalgia. Elas são justificáveis, faço questão de reavivá-las sempre que visito um lugar bucólico a pouco mais de 50 km de Belo Horizonte, 16 km de Itabirito e que explicam muito da minha e da mineiridade de centenas de famílias que há 280 anos possuem laços com o povoado encravado na Serra do Lessa próximo a Itabirito.

Há quatro gerações meus antepassados ocupam este lugarejo de nome pouco conhecido, endereço de natureza exuberante e diversa, cercado por cachoeiras, mananciais, nascentes com vista panorâmica capazes de encantar nativos, turistas e estrangeiros de passagem, desde tempos remotos quando circulavam por lá tropeiros desbravadores que se aventuravam em busca de riquezas minerais nos tempos que o Brasil ainda era uma colônia de Portugal e o ciclo da mineração estava apenas começando. Já se passaram 300 anos, o Bação segue quase intacto.

São Gonçalo do Bação é sinônimo de tranquilidade e precisa ser preservado

Foto: Casa em estilo Rococo em São Gonçalo do Bação

É de São Gonçalo do Bação, Distrito de Itabirito que estou falando, povoado que esconde encantos sedutores, parada de contemplação e beleza singular, histórias carregadas de emoção, terra de gente simples, resistente e que recentemente entrou no radar das mineradoras correndo o risco de ser pulverizada do mapa depois de tantos anos intocado pela sanha extrativista.

Ainda hoje quando entro no arraial sinto o cheiro característico proveniente dos pequenos currais que mantém viva a pecuária de subsistência. Percebo logo na entrada a brisa leve das montanhas, o ar puro que encanta e faz da vida modesta a riqueza que importa. Lembro-me das cavalhadas, das procissões e festas religiosas típicas que continuam até hoje desafiando o tempo e as mudanças provocadas pela globalização.

 

A beleza estonteante de sua paisagem, o clima ameno faz deste paraíso bucólico um dos lugares mais agradáveis que já conheci, um refugio onde eventualmente recarrego as baterias para enfrentar o estresse da cidade. Tão perto e cheio de virtudes, o Bação fica no alto de uma colina. De lá ao norte é possível contemplar o Pico do Itabirito, a sudeste o Pico do Itacolomi e a leste a Serra de Capanema. O arraial é pouco conhecido e pertence juntamente com outros quatro distritos, à cidade de Itabirito, fundada em 1752 e emancipada em 1924.

Foto: Lateral da Igreja retratando a tranquilidade do local

Dito isso, destaco que não sou contra a atividade de mineração em um estado que dependente dela para manter equilibrada a sua balança comercial. Mas no Bação, Por Favor, Não! As commodities são vocação natural seguida dos produtos do agronegócio e mais recentemente do turismo.  O extrativismo mineral está no nome de Minas Gerais desde o século XVI e a nossa história é marcada pelos seus vários ciclos, começando pelo do ouro e mais recentemente pelo minério de ferro que nos últimos anos deixou as páginas da economia para ocupar, até aqui impunemente, as páginas policiais. Mariana, Brumadinho e outras que já foram esquecidas estão vivas na memória para nos alertar sobre essa malfadada dependência, e até que ponto ela se justifica no cenário econômico e social de Minas Gerais.

Argumentos para uma trégua, a exemplo do que a França fez nos últimos 30 anos na atividade não faltam. No entanto, eles ficam fracos quando perguntamos o que deve ser colocado no lugar a fim de preservar os recursos financeiros advindos da mineração.  No Bação, o turismo pode ser a alternativa.

São Gonçalo do Bação já viveu período de turbulência parecido, e sobreviveu.

Foto: Casa que sobreviveu ao período da Construção da Ferrovia do Aço

Não é a primeira vez que o Bação é exposto a uma prova de fogo da mão humana. A primeira ocorreu em meados da década de 70 durante a construção da Ferrovia do Aço. Ainda menino, lembro do quanto o Arraial sofreu com os impactos ambientais advindos da gigantesca obra. Embora o ponto mais próximo da ferrovia ficasse há 5 km do centro do arraial, por alguns anos sua estrutura foi ameaçada pelo trânsito de caminhões, maquinas pessoas de fora que mudaram a pacata localidade afetando inclusive a sua cultura.

Não demorou, e o projeto caiu por terra deixando sequelas que ao longo do tempo foram superadas. Já se passaram 45 anos até que em 2010, portanto há 10 anos o sossego foi substituído pelo pesadelo e ameaça de uma possível autorização de lavra para a FLAPA MINERAÇÃO em território Baçanense, Projeto Serra do Lessa. A fragilidade do local está na sua constituição, no seu casario de estilo rococó e na estrutura da sua única igreja centro de todas as atividades do Bação. No entorno dela São Gonçalo do Bação, santo de origem portuguesa, vivem as 600 pessoas que escolheram aquele paraíso como endereço fixo, ou refúgio de finais de semana

Foto: Fachada do Cemitério de São Gonçalo do Bação, local de visitas de turistas

Quando foi construída, em 1924, a Igreja substituiu a capela original erguida para o pagamento de uma promessa do português Antonio Alves Bação, que depois de ser curado de uma doença que o deixara desenganado, por lá ficou e pagou a sua divida com o santo que emprestou nome ao arraial em 1740, data de sua fundação. Desde então o Bação virou parada de milhares de tropeiros e aventureiros que usavam aquela rota para chegar a Sabará, Caeté, Nova Lima e outras importantes cidades mineiras em busca do ouro.

Foto: Uma das mais de 20 cachoeiras que circundam o Arraial do Bação, a da Bem Vinda

Portanto, não estamos falando de um local qualquer, São Gonçalo do Bação tem nada menos do que 280 anos e uma história que merece ser preservada.  Muitas das famílias que compõem sua população estão lá há três séculos e merecem respeito. Se fosse vivo, Carlos Drumond de Andrade emprestaria a sua Lira Itabirana para os nativos do Bação e de certo entraria na briga para barrar a atividade mineraria que ele tentou, mas não conseguiu em sua terra natal, Itabira. Numa crônica da época, Drumond acusou as mineradoras de “indústria ladra, porque ela tira e não põe, abre cavernas e não deixa raízes, devasta e emigra para outro ponto”. Eu não tenho o prestígio do poeta, mas posso pedir: “Mineração sim, no Bação, por favor NÃO!

Com efeito, as preocupações principais do poeta também eram os direitos dos trabalhadores e a prosperidade do Quadrilátero Ferrífero, ao acusar a então Vale do Rio Doce de “indústria ladra”, Drummond denunciou também a propensão das mineradoras ao crime ambiental. Quase 100 anos se passaram e a história tende a de repetir se nada for feito para impedir.

Os impactos da mineração não são apenas no meio ambiente

Foto: Igreja de São Gonçalo do Bação – retratando a simplicidade do local

O drama de quem deseja perpetuar aquele cenário de tranquilidade vivo e intacto há 3 séculos, é compreensível e facilmente reconhecido sobretudo por quem já viveu ou vive experiências semelhantes onde a atividade mineraria conseguiu superar as restrições da legislação ambiental. A mineração não afeta apenas o meio ambiente, o que já seria suficiente para sua proibição em muitas cidades mineiras, ela devasta também a fauna, a flora, os cursos hídricos, o ar e, sobretudo a cultura dos nativos.

Por onde a atividade mineraria passa, vem junto à prostituição infantil, o risco de acidentes, o crime, a especulação imobiliária e a perda da identidade dos povos expropriados. Por exigência da legislação, a FLAPA MINERAÇÃO contratou empresa independente para estudo de impacto ambiental no “Projeto Serra do Lessa” – ANM 832.121/2010. O trabalho foi feito pela CERN Consultoria e Empreendimentos de Recursos Naturais Ltda. Os estudos revelam que o risco para a descaracterização e extinção do Bação é altíssimo, pelas razões já citadas.

As justificativas contrárias apresentam sempre os mesmos argumentos: a geração de emprego – que neste caso são apenas 30 – e os impostos gerados pela atividade mineraria. Ainda que fossem em quantidade suficiente para acabar com a ociosidade no município de Itabirito inteiro, os prejuízos se apresentam muito maiores. Quem sabe o exemplo de Calais na França sirva para ser aplicado em São Gonçalo do Bação. Lá no lugar de minerar, o que se faz é visitar e fazer turismo.

jaribeirobh@gmail.com – 31-99953-7945 – WhatsApp

By zeaparecido

José Aparecido Ribeiro é Jornalista, Bacharel em Turismo, Licenciado em Filosofia e MBA em Marketing - Pós Graduado em Gestão de Recurso de Defesa

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