Provérbios e Brocados, Data Máxima Venia – Por Epiphânio Camillo – Articulista e especialista em TI

A Internet, essa atrevida, trouxe a lume, PARA TODOS, a conexão direta na ponta dos dedos, sem intermediários, possibilitando infinitas possibilidades 

POR: Epiphânio Camillo – Articulista, especialista em TI e vice-presidente da ACMinas

“IMBECIL (Do Latim: imbecilis) – Substantivo e Adjetivo de dois gêneros; indivíduo tolo, covarde, medroso, débil, ignorante.          Também  pode referir-se a indivíduo que se comporta de modo arrogante, esnobe, superior, dono da verdade, inconveniente, estúpido.

Sabe-se que toda e qualquer afirmação que pretenda alcançar a categoria de dogma, expor-se como paradigmática, tem pelo menos duas faces: a declarada na intenção primária do autor; e a que é percebida “nam omnes”. Entretanto, são as versões que brilham, interessam, incluindo a autoral, não a perseguida pela verdade irrecorrível, binária, implícita, desejada, e aderente aos fatos.

Exemplos da sabedoria popular encontramos na riqueza dos provérbios e brocados, dentre eles o sempre referenciado “Quem espera sempre alcança”, ao qual corresponde o corolário derivado “Quem espera desespera”. Mas, como “Nem tudo que reluz é ouro; nem tudo que não brilha é pouco”, cedamos, aqui, lugar aos achados contemporâneos.

Recentemente, mercê do ativismo de voz liminarmente luminar, alçou ao patamar desse pódio denominada expressão atribuída a muitos autores, divulgada amplamente sob os mais diversos pretextos, e adaptada à guisa de suporte para argumentos de ocasião: “A internet deu voz aos imbecís”, na forma original específica, com sujeito indeterminado, para a qual cabem embargos infringentes, quiçá declaratórios, já que não transitou em julgado. Aprimorá-la para “A Internet deu voz a TODOS os imbecís” seria a melhor derivação resultante cabível, esclarecedora, determinada, precisa, abrangente, que acolhe o coletivo? Cauteloso, indago.

A Internet, essa incompreendida da mesma natureza que o é a Língua Pátria, “Última Flor do Lácio, inculta e bela” cantada em estrofes do parnasiano Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918), cujo nome é um verso Alexandrino, foi absorvida – não absolvida! – e transformou-se em companhia por inteiro no cotidiano das indistintas pessoas, sem privilégios nem discriminações, transferindo “urbi et orbi” as facilidades de comunicar o “que quer que se queira dizer” sem cingir-se necessariamente a fatos comprovados… ou autorizados.

Não requer nem exige filtros, permitindo ser utilizada livre de consultas a Poderes Concedentes do Saber e da Razão. Basta mera conexão para divulgar o que se quer a partir de qualquer ponto do planeta, mesmo até mensagens ao feitio da Literatura Medieval das Cantigas de Escárnio e de Mal Dizer dos cancioneiros galego-portugueses, que hoje denominaríamos “fake news”.

Faz parte da existência a popular fofoca, conhecido passatempo secular desde o princípio dos séculos, presente nos primórdios da Criação por obra e graça inaugural da malévola Serpente. A partir das versões de um episódio não comprovado (“very old fake news?”) foram construídas doutrinas para muitos gostos e, boca-a-boca, expandidas como narrativas até tornarem-se lendas e, em alguns casos, dogmas de fé.

“O que criou a humanidade foi a narração” (Pierre Janet, 1928).

Houve tempos em que célebres personas pronunciaram imbecilidades que marcaram a história, ousando transgredir os regramentos das verdades oficiais santificadas à época por seus pares (ímpares, descobriu-se depois). Exemplos há a mancheias, di-lo-ia Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908). Dos mais evidentes, foram catalogados como imbecís os “pensamentos” sobre o Heliocentrismo, desafiando a consagrada Teoria do Geocentrismo, que perdurava como “verdade absoluta” desde Aristóteles (384-322 a.C.) e Ptolomeu (100-170 a.C.).

A contestação imbecil, segundo os dogmas irrecorríveis, ocorreu a partir das manifestações formuladas por Nicolau Copérnico (1473-1543), monge, matemático, astrônomo polonês; foi avalizada por Galileu Galilei (1564-1642), astrônomo, engenheiro florentino; e incorporada como verdade científica por Giordano Bruno (1548-1600), frade dominicano, matemático, filósofo napolitano.

Nicolau Copérnico livrou-se da condenação que lhe foi imposta porque cuidou de expor seus “pensamentos” apenas a “grupo fechado” de alguns confidentes; Galileu Galilei salvou-se na undécima hora da pena fatal ao renegar, diante do severo tribunal da Inquisição, o que dissera e divulgara; Giordano Bruno teve menos sorte: foi queimado vivo por não abdicar das ideias dele, recebendo sentença exemplar do Papa Clemente VIII (1592-1605): “Afirmar que a Terra gira em torno do Sol é absurdo em filosofia e formalmente herético, pois contradiz explicitamente em muitos lugares o sentido da Sagrada Escritura.”

Há muitos outros, mas atenho-me a dois episódios de célebres e famosos que também foram submetidos a severas rejeições: (i) Louis Pasteur (1822-1895): “Suas ideias sobre bactérias são ridículas, medíocres!”; e (ii) Albert Einstein (1879-1955): “Que considerado mentalmente lento, não-sociável e sempre perdido em seus sonhos, foi expulso da Politécnica de Zurique”.

Nesses tempos de avançadas tecnologias universalmente disponíveis em profusão incontrolável e desmedida, os conhecimentos de boa ou má cepa, as trocas de mensagens, e a partilha do conhecimento ampliado, sem limitações, também gravitam como nocivas no mesmo canal utilizado para divulgar imbecilidades apregoadas em salões iluminados, assim capituladas por seres pretensamente brilhosos, alguns concedendo-se status de estrelas em constelação de pares que jorram luzes benemerentes aos súditos, tal qual resignados planetas-satélites capturados, insolentes e ingratos, que teimam escapar do deletério campo gravitacional do bem oficializado que os aprisiona.

Antes contidos, compartimentalizados, restritos, os meios de comunicação tradicionais, aglomerados em burgos especializados, por vezes verbalizados por arrogantes especialistas donos de muitas verdades, determinavam o que publicar ou exibir, o que massificar, o que tornar secreto, qualificando e atribuindo a si o implícito poder do “imprimatur” segundo cânones por eles mesmos organizados, autorizados… e abençoados.

Com a invenção da prensa móvel em 1440, Johannes Gutenberg (1395-1468) ampliou o alcance dos textos vocalizados por meio da escrita. A novidade logo despertou a vigilância dos corregedores da boa moral e dos bons costumes. Cauteloso e temente, imprimiu ele o primeiro livro, a conhecida Bíblia de Sagrada de Gutemberg que, então, se popularizou.

Percebeu-se, então, sem muito esforço cognitivo, que também as imbecilidades poderiam ser divulgadas sem controle e, portanto, cabiam ser previamente filtradas. O nascimento do cala-boca impresso veio como apanágio para garantia do protagonismo das instituições e tentativa de perenização do “status quo”. Só muito tempo depois, em terras de Santa Cruz, ouviríamos em alto e bom som a frase-síntese libertadora e tão desejada: “O cala boca já morreu!”. Pena não haver sido cremado logo em seguida, pois em breve tempo depois foi ressuscitado sob visível e protocolar constrangimento.

Fato é que a Internet, essa atrevida, trouxe a lume, PARA TODOS, a conexão direta na ponta dos dedos, sem intermediários, possibilitando (i) a disseminação irrestrita do aprendizado; (ii) reduziu o protagonismo da reserva do conhecimento; (iii) permitiu a averiguação dos fatos em fontes primárias e em tempo real; (iv) acolheu tanto os bons quanto os maus modos de dizer; (v) exibiu o desnudamento das fontes; (vi) revelou a exposição das imbecilidades segundo critérios próprios indeterminados; (vii) eliminou consultas ao vade-mécum do que seria o mau gosto pré? qualificado em catálogos de boas maneiras; (viii) reiterou o direito irrestrito à garimpagem de fatos, opiniões, maldizeres, sem restrição de lugares e de tempo, expondo o registro do cotidiano do que cada  pessoa quisesse dispor no mesmo palco onde TODOS, agora, podem exibir-se despudoradamente sem amarras: a Internet deu voz aos que não tinham como se manifestar.

Sim, a voz borbulhante, ensurdecedora e difusa dos imbecís, de TODOS os imbecís, está também nas ruas, nas salas de reuniões, nas escolas, nos bares, nas alcovas, nos lares, becos, ruelas, estádios, esquinas. Ora sufocada, ora sussurrada, ora gritada por meio de “emojis” e letras maiúsculas, deliberadamente expostas ao próprio arbítrio do autor, a arrostar controles nos inéditos murais coletivos desse palco sem fronteiras que, finalmente, após séculos de escravidão submetidos a censores e tradutores não juramentados, a Internet libertou.

Os ruídos e soluços que sentimos, vemos e ouvimos, a buscar nos meter medos, são estertores do reinado decadente do primário “Nihil Obstat”, este sim, imbecil na essência inquisitória de sua gênese, que nos legou tantas ignomínias, dentre elas a vil escravidão.

Eu, a contragosto como o fez Galileu Galilei (Eppur Se Muove), submetido irremediavelmente aos resquícios da bula “Ad Abolendam” do Papa Lúcio III, diante do “Inquisitio Haereticae Pravitatis”, abdicando da cautela protetora, imbecil me confesso.

Como se vê, as verdades são transitórias; as imbecilidades provisórias; as sentenças para os imbecís transgressores, definitivas.

Em tempos de não há jeitos,

de medos e crenças no fim,

consulto dentro do peito:

medos? Os tenho de mim.

 Quod erat demonstrandum.”

 José Aparecido Ribeiro é jornalista e editor

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By zeaparecido

José Aparecido Ribeiro é Jornalista, Bacharel em Turismo, Licenciado em Filosofia e MBA em Marketing - Pós Graduado em Gestão de Recurso de Defesa

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